terça-feira, 23 de junho de 2009

“Eu só quero chocolate”

Por Alana Berto e Mariana Belo

Uma reeducanda do presídio feminino de Alagoas anda torcendo o nariz para o “bandejão” do recinto. É bem verdade que a mistura servida nos refeitórios do local não é lá grande coisa, mas até para aquelas com cela privilegiada, a merenda, ao que parece, está difícil de engolir. Um exemplo das insatisfeitas é a advogada Mary Any Vieira Alves, detida dia 9 de setembro de 2008 pela operação Coroa, deflagrada pela Policia Federal, sob a acusação de ligação com o tráfico de substâncias ilícitas, pagamento de propina e participação em uma organização criminosa, cujo líder, vulgo “Coroa”, foi o substantivo que batizou a operação. Logo quando foi detida a advogada foi encaminhada para o Quartel do Corpo de Bombeiros, no Trapiche da Barra, a ordem foi passada pelos juízes da 17ª vara criminal da capital. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) alegou que o presídio Santa Luzia não estava adaptado para uma cela especial, já que a acusada possui grau de instrução superior.

Regularizada a situação, ela foi transferida de volta para o presídio, onde ficou numa cela improvisada e mesmo assim a acusada impetrou Habeas-corpus por três vezes. Ao longo da sua jornada pelo presídio, a advogada reclamava da alimentação e das condições estruturais de sua cela. No dia 25 de março deste ano, Mary Any declarou que detestava a alimentação do recinto e, pobre reeducanda, só saciava a fome com chocolate. Resultado: chegou a passar mal e precisou de acompanhamento médico. Mais um ponto para o “serviço de quarto” do nosso sistema penitenciário! Diante do ocorrido, uma comissão da OAB foi designada novamente para avaliar se realmente as condições do abrigo estavam no padrão recomendado e constataram que tudo estava dentro das normas.

Mas afinal, O que há de tão ruim no feijão com arroz da Casa de detenção Santa Luzia? Uma advogada certamente acostumada com as regalias da profissão e com as facilidades que a ligação com o tráfico lhe proporcionou: carro importado, banho quente, chocolate suíço de repente se vê encarcerada, contentando-se com a comida e com o acolhimento de sua antiga aliada de profissão: a justiça, aquela que tarda mais não falha, o poder que delega, que diferencia o tratamento dos que tem posses e dos que não têm, daqueles que possui certo grau de conhecimento dos que não possuem. Certamente a nossa “Barbie do judiciário” esperava em sua cela uma TV de tela plana, ar condicionado, frigobar, chuveiro quente e café na cama, junto a uma panela de brigadeiro, claro.

Não, felizmente dessa vez a regra fugiu a exceção e esperamos que ela continue a fugir. Para tristeza da ré, segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos todos têm direitos iguais perante a lei, porém essa conversa de liberdade, igualdade e fraternidade só está no papel. Na realidade, quem vai preso é o ladrão de galinha, o pai de família que roubou para dar comida aos filhos, ou o jovem que roubou por não ter chance alguma de possuir uma formação digna e se tornou o que chamam de delinqüente, conseqüência do comportamento de certos engravatados que dão outros fins ao dinheiro destinado à educação, saúde e segurança, finanças essas que provêm dos altos impostos cobrados a população.

Porém, de uma coisa podemos ter certeza: apesar dos cabelos exageradamente tingidos de loiro e de um nome tão exótico, digno de uma loja de ponta de rua (algo do tipo “Mary Any Modas”), pelo menos nosso “Bibelô do xadrez” possui um gosto musical bastante interessante, em que a música de Tim Maia influenciou suas atitudes. Provavelmente, não será difícil vê-la cantarolando nas dependências do presídio o sucesso do Pai do Soul no Brasil, tudo em alto e bom som: “Chocolate, chocolate, eu só quero chocolate...” Algo de subliminar nisso tudo?

*Protótipo de jornalista e modelo voluntária das criações da exímia estilista arapiraquense, Dona Nenzinha (sua mãe).

**Outro projeto de jornalista, professora, organizadora de chá-de-panela para as amigas, além de construtora de barquinhos de papel nas horas vagas.

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